ENTREVISTA: MORAR EM SANTA CRUZ DE LA SIERRA
Conheci o Antonio na quarta-feira de cinzas de 2019, em Corumbá (MS), fronteira com a Bolívia. Ambos esperávamos pela abertura da Imigração Brasileira para que pudéssemos entrar legalmente no país vizinho.
Na verdade, começamos a conversar porque uma boliviana, bastante mal-educada, tentou furar a fila na hora em que as portas se abriram. Veja bem, esperávamos desde às 6h da manhã e tudo estava organizado. Estava.
Como se pode imaginar, o povo ficou p da vida! Aí, todos fomos falar com o pessoal da Imigração, e ela teve que esperar.
Bem, passado o barraco, cruzamos a fronteira e trocamos Reais por Bolivianos. Estávamos indo para o mesmo lugar: Santa Cruz de la Sierra. Eu, a passeio. O Antonio, “voltando para casa”.
Morar em Santa Cruz
Aos 36 anos, o baiano de Eunápolis (perto de Porto Seguro), vive há quase 2 anos em Santa Cruz de la Sierra. Formado em Administração, Antonio Rocha tinha uma vida estável e cursava Direito quando decidiu morar em Santa Cruz de la Sierra. O motivo: realizar um sonho que no Brasil é distante para a grande maioria de população: estudar Medicina.
Durante o trajeto de ônibus entre Puerto Quijarro (cidade boliviana que faz fronteira com Corumbá) e o destino, ele me contou como é morar em Santa Cruz de la Sierra: o dia a dia, a adaptação, o fato de estar longe de casa e, claro, o curso de Medicina.
Quer saber mais como é morar em Santa Cruz de la Sierra? Então dá uma olhada no bate papo que tivemos (o qual foi complementado num pub irlandês)!
l A decisão de morar em Santa Cruz de la Sierra
1 Vida na Mala: como ocorreu a decisão de morar em Santa Cruz de la Sierra? De largar tudo e ir para a Bolívia?
Antonio Rocha: olha, eu me questionava muito. Me perguntava: será que é isso mesmo? Pensei muito antes de tomar a decisão de morar em Santa Cruz de la Sierra. No Brasil, era aquela coisa de ter o sonho (de estudar Medicina), e o ver se apagar por causa da dificuldade do acesso. Você pensa, “caraca, isso é impossível”.
Além de ser muito caro, exige dedicação exclusiva e integral, fora os cursos paralelos, como inglês e tal… Ou seja, há todo um suporte dos pais por trás. Então, meio que o seu sonho fica pelo caminho, né, quando não se tem toda essa condição. Você pensa: “bora procurar outra coisa!”
2 Vida na Mala: mas você tinha o sonho de estudar Medicina antes de estudar Administração?
Antonio: durante o Ensino Médio, eu pensava em fazer Medicina, mas depois eu pensei “vixx… isso não é pra mim”. Eu sabia a realidade dos meus pais e tal
3 Vida na Mala: quando veio essa decisão de morar em Santa Cruz de la Sierra para estudar Medicina?
Antonio: eu trabalhava na área há 11 anos e estava bem consolidado. Mas aí, um amigo (do qual sou padrinho de casamento) me disse: estamos indo. Conversamos com nossos pais e resolvemos ir. Me disseram: “bora, bora?”. Eu disse: “vou não. Tá doido, tenho um monte de coisa aqui”.
4 Vida na Mala: é difícil deixar para trás uma vida estável, né?
Antonio: sim, sabe, quando você está meio que acomodado? Então. Porém, eu sempre buscava algo a mais para o futuro, mesmo estando trabalhando na mesma empresa há tanto tempo. Mas aí, eu ia pra onde? Eu precisava me desafiar mais.
5 Vida na Mala: no entanto, você estava estudando Direito. Não era uma motivação?
Antonio: era, mas era mais aquela motivação para buscar conhecimento, e também para não ficar em casa, não se acomodar. Eu também tinha em mente a ideia de fazer concurso. Mas aí, meio que veio essa euforia dos meus amigos com a Medicina na Bolívia.
6 Vida na Mala: aí você começou a pesquisar como era estudar e morar em Santa Cruz de la Sierra?
Antonio: sim. Comecei a pesquisar e ver quanto eles gastavam para morar em Santa Cruz de la Sierra, como era o dia a dia. Pois eu não teria ninguém para me ajudar, tinha que me organizar financeiramente e ver se poderia me bancar, ver maneiras de ganhar dinheiro.
Ai, meio que eu pensei: se eu vender o meu carro, se pegar o dinheiro da rescisão do trabalho… aí consegui vender o meu carro, comprar um de valor menor, e colocá-lo para locação, o que passou a me gerar uma certa renda mensal. Ainda peguei o dinheiro que tinha guardado, e vim.
7 Vida na Mala: e qual foi o sentimento de ir morar em Santa Cruz de la Sierra? A primeira impressão?
Antonio: rapaz, a hora que sobrevoei a cidade, desci e fui chegando, pensei: “caralho, isso não é o que eu imaginava”. E olha que antes eu havia pesquisado sobre a cidade, visto alguns vídeos.
8 Vida na Mala: o que você pensava?
Antonio: sei lá, a gente meio tem um preconceito, uma imagem formada. Mas me surpreendi muito, muito mesmo. Passando pelas ruas, vendo os edifícios novos, o contraste entre o novo e o antigo. Foi positivo. Fora que eu tive o apoio dos meus amigos quando cheguei, o que impediu de me sentir só. Então, meio que foi uma festa, na verdade.
l Estudar Medicina na Bolívia
9 Vida na Mala: como é o processo para estudar Medicina na Bolívia?
Antonio: você chega na Bolívia e se matricula no curso no qual quer estudar. Exigem o seu histórico escolar e documentos.
10 Vida na Mala: tudo traduzido?
Antonio: agora não mais por causa da Convenção da Apostila de Haia, que permite o apostilamento num cartório no Brasil, em português mesmo. Os documentos são aceitos tranquilamente. Antigamente era diferente, mais burocrático, mas agora não.
11 Vida na Mala: e o idioma? Você falava espanhol da época?
Antonio: me preparei um pouco para não chegar totalmente cru. Baixei o Duolingo para pegar umas palavras e pronto. Nos primeiros dias de aula, você se sente um pouco desconfortável, não entende algumas coisas, mas pega no contexto e confere em casa. Porém, depois de umas 2 semanas, tudo fica mais tranquilo e você se acostuma.
12 Vida na Mala: então não é obrigatório estudar espanhol para estudar e morar em Santa Cruz de la Sierra?
Antonio: depende da universidade. Na qual curso, sim. Em outras, o inglês é obrigatório para todo mundo, por exemplo. Mas na Udabol, que é a maior do país, se exige. O estrangeiro precisa cursar 4 semestres de espanhol, enquanto os bolivianos precisam cursar inglês. São estudos extracurriculares e o preço é de pouco mais de mil Bolivianos por semestre.
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13 Vida na Mala: sobre o curso: você chegou a pesquisar a respeito de Medicina na Bolívia? Como se sabe, existe um certo preconceito em relação a isso, como a qualidade e tal. Isso se dá muito por causa do preço, que é muito mais baixo que no Brasil. Então, como é a realidade?
Antonio: há qualidade, sim. Se exige muito do aluno. Passamos o dia na universidade, os laboratórios são bem estruturados e os professores muito bons, de diversos países. Além disso, ao contrário do Brasil, aqui há uma prova de avaliação ao fim do curso para saber o aluno realmente está apto para trabalhar. É como se fosse a prova da OAB no Brasil.
Então, se você reprovar, terá que esperar, se inscrever outra vez e fazer novamente o teste.
Mas tem aquilo… a universidade dá o caminho, porém, você também precisa correr atrás e adquirir o máximo de conhecimento. Nós, brasileiros, sabemos que precisamos realmente aprender se quisermos passar no Revalida. Então, nos exigimos muito, nos esforçamos. Por isso, não adianta chegar e pensar que será fácil pelo fato de se estar na Bolívia.
14 Vida na Mala: você comentou antes que o preço de Medicina aqui é muito inferior ao do Brasil.
Antonio: um curso de Medicina “barato” no Brasil sai por uns R$ 6 mi. Mas aí você precisa somar aluguel, comida transporte… aí, para viver no limite, você precisa desembolsar pelo menos uns R$ 8 mil. Aqui esse valor é muito mais baixo. Muito.
l A alimentação no cotidiano
15 Vida na Mala: como é a alimentação no dia a dia? Você come muito na rua, vai no supermercado, na feira?
Antonio: tem o pessoal que opta em ir para feira, geralmente o povo “mais velho”. Isso porque você sabe de onde vem o dinheiro, principalmente quando se vem de uma família humilde. Por exemplo: às vezes você vê um quilo de morango por 20 Bolivianos no supermercado, enquanto na feira se paga 6, 7 Bolivianos. O mesmo se aplica à carne, que é barata.
16 Vida na Mala: como é a culinária da Bolívia?
Antonio: o brasileiro é muito acostumando com o que temos lá. Mas aqui, por exemplo, o feijão é feito como salada. Além disso, se tem muita fritura. Eles adoram fritura e refrigerante. É comum o prato com frango (ou outra carne) frito, arroz e batata frita aqui.
Além disso, tem a salteña, que é uma espécie de um pastel assado com legumes e carne. Outros pratos típicos são o pique macho, o chicharrón, o locro de gallina, a sopa de maní, entre outros. Também alguns refrescos que somente se encontram aqui.
l O transporte em Santa Cruz
17 Vida na Mala: e quanto ao transporte? É muito caro?
Antonio: o bom é que o estudante tem desconto no transporte. Ao invés de 3 Bolivianos (cerca de 1,7), pagamos 1 Boliviano por passagem. Aliás, eu acho que o transporte a
qui funciona muito bem. Eles param em qualquer lugar, é muito de boa.
18 Vida na Mala: é preciso ter cartão?
Antonio: não. Normalmente, você somente entra no ônibus e diz ser “estudiante”. Em algumas situações, o motorista pode pedir para que você mostre o cartão da universidade. Isso de segunda a sábado (14h).
l Aluguel: como é morar em Santa Cruz de la Sierra
19 Vida na Mala: quanto ao custo com moradia, como é?
Antonio: com condomínio, eu pago cerca de 130 Dólares de aluguel por mês.
20 Vida na Mala: é possível encontrar por menos?
Antonio: você encontra, mas, assim, depende do que você busca. Eu vivo numa casa onde tenho certa independência e privacidade. Mas, se você quiser pagar menos para morar em Santa Cruz de la Sierra, pode encontrar um quarto com banheiro coletivo ou dividir quarto. Depende muito do que a pessoa busca.
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21 Vida na Mala: como é o dia a dia, morar em Santa Cruz de la Sierra? Você comentou que já se sente meio que em casa aqui. É isso mesmo?
Antonio: eu não um cara fechado, de ficar preso na solidão. Tenho o meu horário de estudar, mas também tenho o meu horário de relaxar, sair, ir à feira, à academia.
22 Vida na Mala: então a sua vida aqui é uma “vida normal”, como a que teria no Brasil?
Antonio: sim, totalmente. É preciso. Senão, se você ficar muito isolado, corre o risco de se perder durante o caminho. Isso se vê pelos altos índices de depressão entre estudantes de Medicina. Então, eu busco estar sempre ativo. Inclusive, todo último sábado do mês há uma missa em português aqui e a igreja lota.
23 Vida na Mala: e como é o contato com brasileiros? Você tem amigos?
Antonio: sim, a gente se relaciona muito com brasileiros, mas há contato também com bolivianos. Além disso, no curso há gente do Chile, Argentina, Colômbia, Espanha, Haiti, de alguns países da África. Ou seja, é uma cidade multicultural.
24 Vida na Mala: como é a parte da diversão?
Antonio: eu tento buscar lugares bolivianos, justamente para conhecer a cultura. Há muitos lugares bacanas. Mas há festas brasileiras, nas quais você se sente no país. Brasileiros, Skol, Itaipava (risos).
25 Vida na Mala: quanto à violência. Morar em Santa Cruz de la Sierra é perigoso?
Antonio: eu acho menos perigoso que no Brasil. Você não vê muito assalto. Claro, você não pode dar bobeira, como andar com a bolsa aberta, distraído com o celular. Porém, você não vê gente sendo abordada. Se vê, sim, aquela “mão boba”, assim como ocorre em cidades grandes da Europa, por exemplo. Mas violência você não vê. Os bolivianos são muito patriotas e pacíficos.
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26 Vida na Mala: então, para uma cidade de quase 2 milhões de habitantes, me parece algo muito tranquilo. Ainda mais quando comparamos com uma cidade do mesmo porte no Brasil, como Porto Alegre, por exemplo, onde vivi.
Antonio: olha, eu falo que o estrangeiro precisa ter mais cuidado mesmo é com a polícia. A gente fala que eles meio que são os bandidos daqui. É comum vê-los extorquindo gente na cara dura, e você não pode fazer nada. Vai fazer o quê? Vai recorrer a quem?
27 Vida na Mala: para terminar. Está valendo a pena morar em Santa Cruz de la Sierra? Como você qualifica a experiência?
Antonio: sim, tá valendo a pena morar em Santa Cruz de la Sierra. Me identifiquei ainda mais a partir do segundo semestre, quando a gente está mais adaptado com a rotina, a cidade, a forma de estudar, vai se aprofundando no curso e se apaixona ainda mais. Inclusive, cheguei a ganhar um prêmio de melhor promédio da universidade no segundo semestre, o que me rendeu uma bolsa e foi muito bacana.
Lembrando: médicos formados fora do Brasil não podem trabalhar automaticamente no país. Antes disso, precisam fazer o Revalida, prova do CRM, para conseguir o reconhecimento do curso realizado no exterior.
Informações finais morar em Santa Cruz de la Sierra
| Como chegar
AVIÃO
Há vôos diretos entre São Paulo e Santa Cruz de la Sierra. O tempo de viagem gira em torno de 3 horas. Gol e BoA prestam o serviço. Clique aqui para encontrar voos.
ÔNIBUS
Talvez seja umas das opções mais populares. Aliás, foi a qual escolhi. Para isso, você precisa viajar até Corumbá (MS), passar pela imigração e pegar um táxi até a rodoviária de Puerto Quijarro. De lá, saem ônibus diários (manhã e noite) a Santa Cruz de la Sierra.
TREM
Outra opção é viajar até Corumbá, cruzar a fronteira e pegar um trem até Santa Cruz de la Sierra. No entanto, a viagem é mais demorada, e o preço da passagem tende a ser mais alto.
| Onde se hospedar
Santa Cruz de la Sierra é uma cidade que conta com uma boa estrutura de hospedagem. Eu reservei a minha pelo Booking.com, que apresenta uma infinidade de opções. Sugiro que busque algo na região central. Assim, poderá fazer praticamente tudo caminhando.
| Seguro saúde internacional
Apesar de não ser obrigatório, eu sugiro que você compre um seguro saúde barato ao viajar para a Bolívia. Imprevistos podem ocorrer, principalmente na altitude. Desse modo, é sempre bom se precaver.
Eu sempre compro o meu através do Seguros Promo, um buscador que apresenta os preços mais acessíveis. Além disso, se você utilizar o cupom VIDANAMALA5, ainda ganha 5% de desconto na compra. Veja simulação:
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4 comments
Cara, muito boa a entrevista, li ele toda e fiquei ainda mais empolgado com a ideia de estudar na Bolívia. Muito obrigado!
Oi, Nicolas! Fico feliz que tenha te ajudado! Abraço
ótima entrevista
Fico feliz que tenha gostado, Vagner!
Abraço! 🙂